Apesar de tudo que você diz, eu gosto dessa solidão no ateliê, solidão que no fundo não passa de uma revisita à minha própria individualidade, dando a sensação de liberdade entre quatro paredes. Mas, se você quiser ser uma com essa minha liberdade, há espaço para dois. E uma liberdade ainda maior nascerá disso, já que a sua protegerá e aumentará a minha, espero, e vice-versa.
O trecho acima é uma tradução da Folha de São Paulo de uma das 35 cartas enviadas pelo revolucionário Marcel Duchamp à sua amada, a brasileira Maria Martins. Ele, o dadaísta irreverente que questionou todos os valores do mundo pós-guerra. Colocou bigodes na Gioconda de Leonardo para criticar a apreciação do senso comum e assinou objetos do cotidiano transformando-os em arte para criar o conceito do ready made. A sorte da arte conceitual estava lançada. Ela, moça fina da alta sociedade. Escultora surrealista incompreendida no Brasil dos concretistas. Recebia boas críticas, no entanto, na Europa encantada com os mitos amazônicos e ancestralidade tropical – temas recorrentes em sua obra.
Ela era casada com o diplomata Carlos Martins Pereira e Sousa, mas ambos (dizem) mantinham uma relação aberta, o que permitia relações extraconjugais sem muito drama. Maria manteve, então, uma relação íntima com Duchamp que a ajudou na carreira internacional e com quem dividia detalhes de seu processo criativo. No ano passado o Philadelphia Art Museum publicou um livro com todas as cartas guardadas pela família de Maria. Uma leitura que verve aprova.
Outro casal um tanto apaixonado que inspira muita gente (pela obra e histórias de vida) foi Frida Kahlo e o marido Diego Rivera. Ambos foram importantíssimos para a pintura mexicana. Diego foi o líder do muralismo em seu país e Frida, bela e exótica, é um claro exemplo da estreita ligação entre vida e obra. Sua biografia é intensa e seus quadros impactantes. Adoramos a descrição do site Críticos.com:
“Nada mais alternativo do que sua figura – que misturava um buço significativo com anéis e roupas multicoloridas. Nada mais contraditório do que seu desejo de ser independente misturado à sua doentia obsessão por Diego Rivera. Nada mais chocantes para a época que suas bebedeiras, xingamentos e namoros com várias amigas. Nada mais bonito que seu amor ao México, ao comunismo, à arte – opções que a fizeram passar por períodos de grande privação material.”
Ela era bissexual, mas o marido não parecia se importar com as namoradas. Durante uma breve separação, ela tem um caso com Leon Trotski e ele com a irmã de Frida. O amor entre os dois, apesar de tempestuoso, era profundo e caloroso. Em sua biografia, Rivera chegou a descrever que o dia da morte de Frida foi o mais trágico de sua vida. E ela dizia que realmente o adorava “mais que a própria vida”.
A gente super recomenda o filme sobre sua vida lançado em 2002 e leitura de Cartas Apaixonadas: um livro da editora José Olympio que reúne cerca de 80 cartas da pintora para amigos, amantes e familiares.
Nesta cena, Diego ( interpretado por Alfred Molina ) assiste a mulher dançar tango com uma “amiga”.
Já no livro Tête-à-Tête (editora Objetiva), você poderá conhecer um pouco mais sobre a história de amor entre a feminista Simone Beauvoir e o existencialista Jean-Paul Sartre – ambos eram escritores, filósofos e críticos. Outro casal inspirado e inspirador.
Eles se conheceram bem novos (já falamos de uma série de TV sobre a vida deles aqui) e trocaram cartas de amor durante os anos em que, em nome do trabalho e da filosofia, ficaram separados. Sartre estava convencido de que amor não era possessão. Dizia que tanto ele como Beauvoir não deveriam parar de “ter casos contingentes”, pois o amor deles era “essencial”. O pacto era claro:Para evitar o ciúmes, não deveriam ter segredos. Casos amorosos duvidas, inseguranças e obsessões deveriam ser expostos um ao outro.
Ele frequentemente a (Jollivet) citava como um exemplo para mim quando tentava me forçar a sair da inatividade. (…) Sartre não gostava de ciúme. Achava importante que as pessoas controlassem suas paixões, sem se deixar dominar por elas. Do contrário, estavam negando sua liberdade sendo reativas e não ativas.
Este trecho do livro é só para dar um gostinho de “quero mais”…tentar entender os conceitos e estilo de vida desses dois é quase uma sessão de análise!
Já a Cia. das Letras publicou, em Querido Scott, querida Zelda, uma coletânea da correspondência trocada pelo escritor F. Scott Fitzgerald e sua mulher, a novelista Zelda Sayre Fitzgerald. Aqui a definição de Federico Fellini para a arte como autobiográfica torna-se mais que evidente. A correspondência dá a exata medida de como o relacionamento dos dois foi tema recorrente de boa parte da obra de Scott Fitzgerald e do único livro de Zelda, o romance Esta valsa é minha.
Ao ler este livro, você pode visualizar quadro do panorama intelectual da “era do jazz” e da “geração perdida”, além das sucessivas brigas e reconciliações do casal e da tentativa de manter o casamento, abalado pelo alcoolismo de Fitzgerald e pelos indícios progressivos da doença mental de Zelda.
Verve adora histórias de amor. E estas, que acabam sendo fonte de inspiração para a criação de tantas obras marcantes, são mais gostosas ainda.
Boa leitura!