Mulheres e modas de Flavio de Carvalho

Paulo Borges, responsável pelas duas mais importantes semanas de moda no país, declarou oficialmente que a semana de moda em São Paulo valoriza a pesquisa do design de moda brasileiro.
“Não se pode pensar apenas no mercado: a SPFW tem de ser a plataforma de valorização do design e da pesquisa de moda. Enquanto o Fashion Rio traduz o life style e a beach wear nacionais, São Paulo é mais calcada no estudo do design”  – disse ao Estado de São Paulo. Por este motivo, o evento apóia, há quatro anos, uma programação paralela a fim de discutir a moda brasileira e sua relação com a arte contemporânea: o ziguezague. Nesta edição, as palestras giraram em torno do expressionista antropofágico Flavio de Carvalho.

Conhecido, junto a Helio Oiticica, por ser um nos precursores das chamadas performances (chamadas por ele próprio de “experiências”), Flávio era também engenheiro- arquiteto, artista plástico, figurinista e ainda escreveu ainda artigos questionando a moda como fenômeno social. UFA. Um típico artista do século XX. Além dos retratos de amigos conhecidos como Cacilda Becker e Carlos Drummond de Andrade, ele fez algumas séries de desenhos – misturando nanquim com aquarela – de mulheres que a Verve adora.

Outro ponto da trajetória de Flávio que vale a pena notar é sua Experiência nº. 3: no dia 18 de outubro de 1956 ele saiu de seu ateliê no nº. 297 da Rua Barão de Itapetininga e percorreu as ruas centrais da cidade de São Paulo até chegar à sede do jornal Diários Associados, vestindo blusa amarela de mangas curtas, saia verde de comprimento acima dos joelhos, meias de rede, sandálias de couro e um pequeno chapéu de náilon branco transparente.
Explico: Flavio questionava em público o traje masculino oficial no Brasil que, segundo ele, não estaria de acordo com os conhecimentos do homem contemporâneo e com seu desenvolvimento cerebral. O traje ideal proposto por Flávio estaria considerando a ventilação do corpo e possibilitaria a evaporação do suor com maior rapidez.   Era o chamado “Traje de Verão”.

O novo uniforme masculino, segundo Flávio, também deveria ser chamado de  “New Look”, a mesma designação da proposta de silhueta feminina apresentada por Dior em 1946. Ao utilizar o termo em inglês New Look, Flávio de Carvalho apropriou-se, ironicamente, de um termo estrangeiro, como os dadaístas com seus objetos ready-mades, para enfatizar uma maneira de vestir importada de outras culturas e não apropriada para um clima tropical.

Essa performance foi resultado final de uma série de 39 artigos escritos pelo artista, publicados pelo jornal Diário de São Paulo, entre 04 de março e 21 de outubro de 1956 com o título “A Moda e o Novo Homem”, em que ele questionava o processo histórico de evolução da indumentária. No decorrer desses textos, ele cria teorias visando justificar as transformações das vestimentas apoiando-se nas obras de Charles Darwin, Sigmund Freud, James Frazer e Nietzsche. Ele fazia, ainda, ricas ilustrações de moda para os artigos publicados.

Estas pranchas ( de moda) , por si só, são verdadeiras obras de arte moderna, pois trazem em seu bojo todas as características do artista. Seus traços rápidos e expressionistas, suas leituras sarcásticas dadaístas, seu pensar surrealista – as pranchas contendo comparações entre formas marinhas e evolução de chapéus é pura ironia surrealista – estão presentes nas 105 peças. – Flavio Roberto Lotufo no site LEIA MODA

Nos textos, Flávio, como bom observador das mulheres, indicava, por exemplo, que a evolução da indumentária é traçada pela linha do prazer: épocas em que os trajes que valorizam as formas da mulher (pense em anos 50) a taxa de natalidade subia consideravelmente.
Durante o Terror em 1790, aparece a moda dos ventres postiços, imitando a gravidez, usada por casadas e solteiras. Esta moda logo tomou conta do mundo elegante e desapareceu logo após os efeitos do Terror. A moda sugere uma compensação pelos resultados do Terror. (…) Cauda associada à forma Reta Paralela, forma anti-fecundante de mulher do século XV, o século que precedeu ao aparecimento dos primeiros tipos de verdugadas. O todo é marcado pela tristeza de linhas e pela recusa à fecundação. É o século do luto proveniente das gigantescas comoções sociais. – Flavio de Carvalho em A moda e o Novo Homem

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